Desespero

Posted: domingo, 19 de outubro de 2014 by ajeugenio in Marcadores: ,
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Não consigo me entregar de corpo e alma
Não consigo mergulhar de cabeça
Nada me faz acreditar que eu te mereça
Quando estou ao teu lado, eu começo a me beliscar
Que você goste da minha companhia, eu não consigo acreditar
Não consigo me ver ao seu lado
Não consigo conceber você perder seu tempo comigo
Por isso que sempre quando estou contigo eu fico calado
Não é porque eu só olhe para o meu umbigo
Confesso, nega, que tudo o que quero é abrigo
Mas não posso oferecê-lo a ti
Aliás, sou incapaz de te oferecer paz de espírito
Não consigo me declarar porque sei que, cedo ou tarde, você vai me largar
Tenho medo de te amar porque sei que um dia
Você encontrará alguém melhor do que eu
E vou te entender porque, no fundo,
Tudo o que quero é fugir de mim.

LOW SELFIE ESTEEM

Posted: sexta-feira, 15 de agosto de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , ,
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Ele não entendia o que se passava. Há até poucos meses, os perfis dele no Instagram e Facebook bombavam. Cada selfie que ele tirava rendia cliques e mais cliques. Havia para todos os momentos e gostos: ônibus, cama, trabalho, caminhada no Ibirapuera, faculdade, festas com amigos, almoço em família, em frente ao espelho ou ao usar o recurso para selfies (!) no celular... Até mesmo ao cagar ou ao doar sangue, as selfies eram obrigatórias. Até mesmo o Romero Britto na parede do consultório do dentista era alvo certeiro de uma foto em que ele aparecia sorrindo. Nem mesmo Narciso curtia tanto a própria imagem se comparado com o "Selfie Man".

Mas havia algum tempo que havia algo de podre em seu reino. Os "likes" foram ficando mais e mais escassos. Nem mesmo a própria mãe curtia mais. "Você não é modelo, meu filho", disse a matriarca certa vez. Era inconcebível encarar que ninguém mais o curtia. As surras que ele tomava do vídeo de um bêbado cantando "Eu Bebo Sim", da foto de um recém-nascido, do link de uma notícia sobre política e até de comentários sobre o Corinthians eram mais feias do que o 7 x 1 na Copa ou do que Ribéry fazendo careta. Estava foda viver online.

A vida andava insossa. Ou melhor: na vibe #nofilter. Assim foi até o dia em que ele teve uma ideia brilhante: tirar uma selfie do alto de uma torre. Se fosse no pôr-do-Sol, perfeito. Dias se passaram enquanto ele elaborava o plano: enganar os guardas, escalar metros ininterruptos até o topo, sacar o iPhone e sorrir não pareciam ser tarefas tão difíceis assim.

Sexta-feira, o dia escolhido para a proeza. As horas não passavam na agência de publicidade, enquanto a ansiedade chegava à flor da pele. "Já posso prever o espanto do pessoal ao ver a selfie. Vou parar numa caralhada de portais de entretenimento", pensava. E assim foi até dar 17h30. Na pressa para ir embora, ele não reparou que esqueceu a carteira e que derrubou a tia do café. De quebra, desceu sozinho no elevador e deixou muita gente puta da vida na fila do elevador.

Após trombar em meio mundo e derrubar um cara que estava parado à esquerda na escada rolante, enfim ele havia chegado à torre. Na ânsia para chegar ao topo, ele quase caiu por três vezes, mas deu sorte. Ao chegar em seu destino, ele parecia desafiar a gravidade. Tudo ia bem até que, na busca do horizonte perfeito para realçar sua face, ele perdera o equilíbrio e caiu 20 andares. Curiosos tiraram fotos do cadáver e compartilhavam em WhatsApps e Snapchats da vida. O link sobre sua morte teve uma porrada de curtidas e comentários a rodo da série "Se fodeu, mané". Sua morte foi compartilhada por internautas sádicos, mas esquecida em minutos.

RESSACA MORAL

Posted: terça-feira, 29 de julho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , ,
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O Sol invadia o quarto como um assaltante invade uma loja: sem cerimônia e violentamente. O efeito que causava nos meus olhos era devastador: era como se um clarão de luz estourasse à minha frente. A minha cabeça martelava e causava tontura, tal qual em um marinheiro à deriva em alto mar. Eu só sabia que estava em casa porque a minha cama e o meu travesseiro são inconfundíveis. Eu não me lembrava sobre como a noite anterior havia sido. Ou melhor: não me lembro de nada do que fiz, menos ainda de quem encontrei. Havia ficado com alguém? Havia transado? Não me lembrava. Só sabia que não tinha mais físico e idade para beber descontroladamente. "Que merda, Júnior! Você não é mais um moleque de 18 anos, porra!". Só conseguia pensar nisso naqueles minutos iniciais de uma tarde de domingo.

Conforme as perguntas se juntavam ao turbilhão na minha cabeça e a deixavam ainda mais dolorida, fui olhar no relógio do celular. 15h10. "Legal! Mais um domingo perdido!", pensava. Desde que Beth, a minha ex, havia ido embora, a minha vida havia virado esta coisa: trabalhar que nem condenado durante a semana, fazer frilas à noite e beber aos fins de semana como se não houvesse amanhã. No fundo, eu queria voltar a ter uma vida regrada, encontrar alguém e fazer o que qualquer casal faz, como ir ao cinema, andar sem pressa pelo Ibirapuera e deitar na grama, ver o pôr-do-Sol em alguma praça, andar na ciclofaixa e rir da cara de cansaço dela, essas porras. Mas não: eu estava sem rumo. A minha vida estava em rota de colisão com algo que eu nem fazia ideia do que era.

Pouco a pouco, algumas peças começavam a surgir e a me ajudar a montar o quebra-cabeça dos meus pensamentos. Havia perfume feminino e vestígios de sexo na minha cama. O perfume era o mesmo da Beth. "Não é possível. Eu não faria isso. Eu não seria tão burro." É, alguém havia dormido ali. Mas quem? "Estava muito louco, mesmo. Como consegui abrir a porta? Como trouxe uma desconhecida para cá? Por que não a levei ao Savoy?" Perguntas, perguntas e mais perguntas. Todas sem resposta. Parecia até o resumo da minha vida: uma grande confusão sem explicação ou razão alguma para existir.

O chão parecia mover sob os meus pés conforme eu tentava andar pelo apê. A ressaca ainda estava braba, cara. Havia uma toalha molhada no banheiro, mas eu só havia tomado banho na noite anterior. "Ela tomou banho por aqui, certeza". Aroma de café no ar. "Porra, mas que liberdade é essa? Só a minha mãe tem carta branca pra mexer em tudo em casa, por mais que ela recrimine - com razão - o meu estilo de vida...". Ela, não importando quem, devia saber que estava de ressaca e tentou fazer a boa ação do dia. Devo agradecer: o café estava no ponto, bem do jeito que eu gosto. Mas só a minha mãe e a Beth sabiam de como eu gostava de tomá-lo. "Será? Não, eu não seria tão burro. Será possível!?" Um misto de raiva e desespero começou a martelar a minha cabeça, que doía um pouco menos, mas ainda doía. Sim, eu ainda amava Beth, por mais orgulhoso que eu fosse e relutasse em revê-la. Tudo o que a minha alma queria era fazer as pazes com ela e tê-la de novo em minha vida, mas a minha mente, essa rocha em forma de cérebro, emperrava tudo.

Andando um pouco mais pela casa, vi o jornal sobre a mesa, com as revistas de música e cinema organizadas como há tempos não estavam. Sobre a última edição, uma folha de sulfite. Temi que fosse um bilhete dela. Minhas pernas congelaram por alguns instantes, mas consegui recobrá-las e andei até lá. Ao pegar a folha, a respiração ficou ofegante. "É a letra dela. Puta que o pariu! Puta que o pariu! Puta que o pariu!" Só conseguia pensar nisso. Após recobrar o fôlego, tomei coragem e tive de segurar as lágrimas.

"Júnior,

Você continua o mesmo inconsequente que conheci. Inseguro, mas inconsequente. Você estava bebendo sozinho no bar e te vi lá. Você estava alterado, mas ainda não estava bêbado pra valer. Ficamos e viemos pra cá. Você pediu pra eu ficar e pra voltarmos. Mas quero ouvir isso de ti quando estiver sóbrio e deixar de ser tão orgulhoso. Sei que ainda me ama - bêbados não mentem. Só peço o seguinte: não tenha medo de deixar a emoção falar mais alto e cuide melhor de ti. A casa estava uma bagunça só. Aposto que a sua mente também está. Ainda te amo, mas você precisa se amar.

Cuide bem de você.

Beth."

Porra, aquela foi uma puta porrada no estômago. Quis chorar, mas as lágrimas não caíam. Queria gritar, mas a voz insistia em travar. Tentei ligar para ela, mas os dedos travaram sobre o teclado do smartphone. Saí para achar algum restaurante aberto. Saí para fugir de mim.

EM RUÍNAS

Posted: domingo, 6 de julho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , , ,
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Era uma casa abandonada, dessas com arquitetura bem antiga, localizada em um bairro periférico que foi tomado - ou melhor: devastado - pela especulação imobiliária. Os tijolos descobertos, que à primeira vista podem transmitir a impressão de desleixo ou até mesmo de que as paredes irão cair, davam um charme algo cool ao local. Por outro lado, as folhas caídas de árvores e páginas amareladas de jornais, que estavam acumuladas no quintal, davam ares tristes à casa. As paredes descascadas por dentro e o vazio em cada cômodo causavam a sensação de se estar em uma locação de filme de guerra. Foi essa a sensação que José teve ao desbravá-la pela última vez.

Aquela casa, que naquele dia parecia ser uma sombra pálida do que fora um dia, foi onde José cresceu. Conforme ele a explorava, vários momentos vinham à tona: as vezes em que saía com o pai, seja num Opala cinza ou de bicicleta, para passeios sempre imprevisíveis e agradáveis; quando jogava futebol no quintal com o irmão; as festas de aniversário que seus pais organizavam e às quais a molecada do bairro comparecia; os ensaios no quarto com a banda de punk rock da qual fez parte... À medida em que ele entrava em cada cômodo, era como se ele visse hologramas de si próprio, quando mais jovem, e de seus pais andando pela a que fora um dia a sua casa. Até mesmo situações que lhe pareciam pavorosas, como as broncas e castigos que recebia dos pais por atitudes como sujar a parede com bola de futebol; ficar acordado até tarde vendo filmes "de sacanagem", como dizia a sua mãe; ou por causa da bagunça no quarto, arrancaram risadas e lágrimas simultâneas de José. Sim, suas emoções estavam à flor da pele e dicotômicas, transitando entre a saudade e a tristeza.

Ao entrar na cozinha, o baque veio mais forte: onde outrora aconteciam diversos jantares em família, nos quais cada um contava como havia sido o dia, ora entre risadas, ora entre um quê de indignação, o silêncio e a melancolia davam o tom. Eis que ele decidiu vencer os fantasmas em sua mente e decidiu entrar no quarto. Sim, o local onde ele se refugiava. O local onde estudava e tomou gosto pela leitura. O local onde ele ouviu pela primeira vez "Smells Like Teen Spirit" e se tornou viciado em Nirvana, assim como aquele mesmo quarto foi o lugar onde ele se trancou para chorar copiosamente quando soube da morte de Kurt Cobain. Idem para diversas vezes quando ele ouvia um "não" de alguma guria ou após discutir com a sua namoradinha à época. O local onde ele aprendeu a viver na linha tênue entre a felicidade e o desespero. Instintiva e involuntariamente, ele se sentou em posição fetal junto à parede daquele mesmo quarto e começou a chorar. Chorar de tristeza, de emoção e de indignação. Ele não queria acreditar que aquele quarto, aquela cozinha, aquela sala de estar, enfim, a sua casa seria derrubada para a construção de mais um prédio - "mais um prédio, porra?!", indagava, entre as lágrimas que ele não conseguia conter.

José estava incrédulo. Ele não queria acreditar que aquele lugar, onde ele queria morar com a esposa antes de se casar, iria virar ruína. José pensou em trazer o filho para mostrar a casa onde ele tivera alguns dos momentos mais alegres de sua vida, mas ele temia que Juninho, típico garoto de condomínio e representante da geração Playstation, não desse a mínima para aquilo.

Mesmo contra a vontade, José teve de reunir forças para sair daquela casa, onde estaria pela última vez. Já fora dali, ele olhou, tentando conter as lágrimas, aquele local. Ele não queria acreditar que uma construtora a derrubaria. Ele não queria aceitar a ideia de que suas lembranças e emoções virariam pó. Ele não queria aceitar que suas raízes, tão fortemente fincadas ali, seriam arrancadas. Ele não queria aceitar que o lucro e o concreto haviam vencido o lado humano. José não queria dar o braço a torcer, mas ele havia acabado de perder o resto de fé no ser humano.

DOIS PÊNALTIS

Posted: segunda-feira, 30 de junho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: ,
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CRÉDITO: Fabrice Coffrini / AFP
 
Anos 90. Eu era apenas um moleque recém-saído das fraldas e que estava tendo contatos iniciais com o futebol. Lembranças resumiam-se à camisa alvinegra do Corinthians, ao tetracampeonato da seleção brasileira e à camisa tricolor do Grêmio [OK, não sou gaúcho, não tenho passaporte gaudério e não costumo falar "Taca-le pau no carrinho, Marcos", mas aquela camisa me chamava a atenção por causa do título da Libertadores de 1995. Parêntese feito]. No entanto, uma coisa que dona Maria, aka primeira-dama e matriarca do clã dos Eugênios, sempre dizia o seguinte para quem quisesse ouvir, em alto e bom som: Taffarel era um puta de um frangueiro [parêntese #2: ela nunca falaria um palavrão. Grifo meu]. E passei os anos seguintes com aquilo martelando na cabeça. Não conseguia conceber a ideia do velho TAFFA, o frangueiro-mor para dona Maria, com a camisa #1 da seleção.

2014. Copa nesta quebrada que tem palmeiras onde canta o sabiá e onde cerveja de milho é instituição nacional. O goleiro que veste a mesma camisa #1, usada por Taffarel tempos atrás, é Júlio César - não o imperador romano, cara pálida. O mesmo Júlio César que foi considerado um dos melhores goleiros do mundo em 2010. O mesmo Júlio César que, ao cair em desgraça após a derrota do Brasil para a Holanda naquele mesmo ano, comeu o pão que o diabo amassou no QPR, da Inglaterra, e hoje foi virar goleiro de hóquei jogar no Canadá - consta que ele não encontrou Luíza, AQUELA. O mesmo Júlio César que, até o jogo Brasil x Chile, era visto com desconfiança até por Stevie Wonder. O mesmo Júlio César, que era um dos alvos preferenciais, se não o prioritário, de todo e qualquer corneteiro de plantão.

1998. Semifinal entre Brasil x Holanda (!!!!), válida pela Copa de 1998, na França (quem comprou? Sei lá). Após um puta sufoco, que terminou em 1 x 1, o jogo foi à decisão por pênaltis. Dona Maria saiu da sala, pois não queria ver aquele massacre psicológico [ei, Thiago Silva, ela pode fazer isso, fera]. Pois bem, aquele mesmo Taffarel, sobre quem cresci ouvindo que era um frangueiro que não merecia nem jogar o "Desafio ao Galo", pegou dois pênaltis [de Cocu e Ronald de Boer? I think so]. Da noite para o dia, o velho TAFFA virou herói nacional. Até o Brasil tomar uma traulitada contra o exército azul, liderado por Zidane, é claro.

28 de junho de 2014. O Brasil tomou um puta de um sufoco contra o Chile, que tinha a melhor seleção desde quando Pinochet ainda engraxava coturnos no exército local. Era um adversário de respeito e adepto da ousadia e alegria, mas não deixou de ser vergonhoso, o resultado. Ainda mais pelo nervosismo e letargia da equipe em campo, em especial no segundo tempo. Durante a decisão por pênaltis, cuja disputa o CAPITÃO Thiago Silva não quis ver por estar ~tenso~, aquele mesmo Júlio César pegou dois pênaltis - OK, contou com a sorte, ajudou a classificar a seleção e ainda salvou as peles de Willian e Hulk. Aquele mesmo Júlio César, que desde 2010 só entrou em furada.

Dizem que Copas do Mundo criam heróis, vilões, coadjuvantes de luxo e tramas dignas de concorrer à Palma de Ouro de Cannes - ou à Framboesa de Ouro, sei lá. Dizem que Copas do Mundo podem levar pessoas do céu ao inferno em questão de dias - Suárez, que o fez com unhas e dentes (!!!!), que o diga. Dizem que Copas do Mundo podem mudar paradigmas e fazer impérios ruírem [adeus, tiki-taka]. Mas Copas do Mundo também podem dar tons épicos a vidas e levá-las da desgraça à redenção. Esse foi o Caso de Júlio César após a vitória (ou derrota moral?) contra o Chile. Mesmo a seleção tendo saído com a imagem arranhada, ele foi o cara daquele jogo. Isso até contra a Colômbia, que terá, na próxima sexta-feira, a grande chance de acertas as contas com o passado e mostrar que a geração de Higuita, Rincón, Valderrama e cia. não encantou o mundo do futebol em vão.

Até lá, a honra brasileira (em campo, é claro) está nas mãos de Júlio César.

EMOTION SICKNESS

Posted: terça-feira, 24 de junho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , ,
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Acordar era um martírio para ele. Pensar em sair da cama e viver em sociedade fazia sua respiração ficar mais e mais ofegante. Seu desânimo e desilusão eram visíveis até mesmo em seu senso de humor, cada vez mais corrosivo e que alternava entre a ironia com a agressividade. Seus pais, amigos e até mesmo uma ex-namorada estavam cada vez mais preocupados com o seu comportamento, que transitavam entre a letargia e a autodestruição. Tudo o que ele queria era ser esquecido por eles. "Todo o mundo tem coisas mais importantes para pensar do que se preocupar comigo, como a consistência da merda de cada um deles, sei lá", ele pensava, entre um copo e outro de cerveja. Ele não se julgava digno da preocupação de ninguém. Nem dos pais, tampouco dos amigos. Menos ainda da puta que passara a ser sua confidente e psicóloga, digamos assim.

Ele havia desistido de tudo, pelo menos emocionalmente falando. Não sentia mais tesão em trabalhar, mesmo sendo aquele emprego o trabalho de seus sonhos. Ele havia desistido de cuidados pessoais básicos - sua barba, cada vez mais espessa, parecia a de um hipster; e as roupas, cada vez mais rotas e com odor cada vez menos agradável. Ele havia desistido de se alimentar. Ele não sabia dizer a origem do vazio e do desespero que ele sentia. O fato é que aquilo, mesmo sendo de origem desconhecida, havia tomado conta dele e ele não sabia como se livrar daquilo. Era como se nada mais fizesse sentido em sua vida. Em suma: ele havia desistido de si próprio. Ele havia desistido de viver.

Sair com os amigos - leia-se os que ainda o suportavam - era divertido, mas a alegria era fugaz e efêmera. Em segundos, ele voltava à letargia moral. Sexo? Era algo cada vez mais mecânico e só por necessidade fisiológica, ou seja, nada de prazer. Chorar? Ele queria, mas era incapaz. Ele havia se isolado de seu mundo quando percebeu que queria ajuda e queria gritar "Socorro!" para o mundo, mas o seu orgulho o impedia de fazê-lo. Ele estava se afastando, pouco a pouco, daqueles quem ele gostava, tal qual um cão que sente ter chegado o momento de sua morte. Ele queria pedir por auxílio, mas quando tentava, travava e recorria à vibe blasé para não parecer uma criança indefesa. Ele tentava conversar, mas não via nada nos olhos dos outros quando tentava se ver lá. Era como ele não existisse para si próprio.

O seu comportamento estava mais inconsequente, como se ele procurasse pela morte em cada esquina, sem medir riscos ou consequências. Certa noite, após sair de uma festa na casa de uns amigos, ele foi encontrado por um grupo de caras que saíam espancando qualquer pessoa que vissem pela frente. A cada golpe sofrido na barriga, na face, no nariz e nas pernas, ele se dividia entre a dor e o arrependimento. Arrependimento de ter desejado morrer. Arrependimento de não ter valorizado a si próprio - ele não era tão loser como ele sempre julgava. Arrependimento de não ter dito o que pensava e sentia. Arrependimento de ter sido tão ausente, a começar de sua própria vida. As lágrimas saíam furtivamente e se misturavam com o sangue que saía do nariz e dos ferimentos na cara. Pouco a pouco, a respiração foi ficando cada vez mais difícil, e a visão, cada vez mais turva. Ele perdera os sentidos. Ele se perdera de vez de si.

TWENTY YEARS GONE

Posted: domingo, 22 de junho de 2014 by ajeugenio in Marcadores: , , ,
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Ainda era um pirralho de 5 anos que estava começando a entender o que era o futebol. Até então, esporte para mim se resumia a sair correndo sem rumo e dar de cara com paredes, o que deixava alguns "galos" na cabeça, além de chutar uma bola, mas sem direção, eira, nem beira. Fora isso, a minha vida se resumia a assistir desenhos, brincar de Lego e desenhar carrinhos de Fórmula 1 em folhas brancas de sulfite (Freud explica?)
Pois bem, conto isso porque há vinte anos (exatos? Não sei) tive a primeira lembrança pra valer relacionada ao futebol. Brasil x Camarões, EUA, 1994. Até então, ainda tentava entender qual era a graça em ver um bando de retardado correndo atrás de uma bola - nem preciso dizer que não manjava quem era o "cara de preto", né? Tudo o que consigo é de me lembrar de flashes da minha família indo assistir àquele jogo na casa de um amigo do meu pai. Das poucas lembranças, de um bando de negão contra uns caras de amarelo, que ganharam a minha simpatia - confesso que queria ser que nem eles, o que era uma doce ilusão. Eu, magrelo e mirrado, parecido com Roger Milla? Don't fuck with me.
Sei que aquele jogo foi 3 x 0, mas me lembro de um gol do Romário, frente a frente com o goleiro - aquele que tem a narração "Vamos, garoto! Vamos, garoto!", com a assinatura do Galvão Bueno, que não calava a boca desde aquela época. Lembro também da gritaria a cada gol e da expressão empolgada do seo Amaurizão, meu pai e mentor.
Mais do que ter a primeira lembrança de fato sobre futebol, fui fisgado pela dicotomia entre paixão e raiva que essa porra de esporte proporciona. Também entendi toda a mística que envolve uma Copa do Mundo - leia-se o que rola em campo. Há não muito exatos vinte anos, parte importante do meu caráter e de quem eu sou havia sido moldada. O futebol começou a existir para mim naquele mesmo dia.
É isso.